Consumo de Vinhos aumenta na pandemia

03/11/2020

Consumo de Vinhos aumenta na pandemia

Não houve ano melhor para a venda de vinhos no Brasil que 2020. Diferente do restante da economia, as políticas de isolamento social contra a disseminação do novo coronavírus tiveram papel importante para impulsionar os negócios.

Com o setor de eventos paralisado e fechamento de bares e restaurantes, o vinho ganhou espaço ao se tornar a escolha de bebida para momentos de lazer em casa.

Dados da Ideal Consulting mostram que a comercialização mensal da bebida em julho deste ano alcançou 63,4 milhões de litros – três vezes mais que o mês de março, com 21,3 milhões. Foram os meses em que o isolamento foi mais forte no país.De janeiro a agosto, foram 313,3 milhões de litros, 37% mais que no mesmo período do ano passado.

A exceção foram os espumantes, muito ligados às festas e comemorações. No período, houve queda de 5% nas vendas, de 9,3 milhões para 8,8 milhões de litros. Os números dão conta da venda de vinícolas para supermercados, lojas e restaurantes, somando importações. Captam, portanto, a formação de estoque e não a venda na ponta.

De qualquer forma, trata-se do melhor resultado da série histórica. O recorde mensal de julho é 32% maior que a melhor marca anterior à pandemia, de outubro de 2019.

O desafio de produtores de vinhos, agora, é manter a clientela. Dados de agosto mostraram uma queda de 21% em relação ao mês anterior, escancarando uma desaceleração do setor junto com a abertura da economia.

Batalha de preços

O dólar mais alto tornou o vinho brasileiro mais competitivo nas gôndolas e animou bons produtores. Neste ano, o dólar subiu cerca de 40% em reais, elevando o preço dos importados por aqui.

Resultado é que, até agosto, o crescimento das vendas de vinhos finos brasileiros foi de 93% no intervalo contra o ano anterior.

O aumento expressivo do segmento, contudo, vem de uma base muito baixa. A fatia dos vinhos finos brasileiros é de apenas 6% do mercado. Quem domina as vendas é o vinho de mesa (67%), feitos com variantes de uva mais baratas e para os quais muitos especialistas na bebida torcem o nariz.

São os finos que tentam bater de frente com produtores vizinhos, como Argentina, Chile e Uruguai, e que têm ampla procura de quem aprecia a bebida. Os tradicionais europeus – da França, Portugal e Itália, em especial – também costumam ter preços competitivos.

Em geral, os importados ganham o duelo. Mas o câmbio fez a fatia dos estrangeiros cair de 32% para 27% do mercado, de janeiro a agosto. Quem se esforça para ganhar mercado, comemora.

Além da procura maior, a vinícola da cidade de Espírito Santo do Pinhal, interior de São Paulo, quer aproveitar o interesse nos vinhos brasileiros para desenvolver o enoturismo. Reaberta em meados de outubro, a agenda para grupos que queiram conhecer os vinhedos lotou até o fim do ano.

"As pessoas estão viajando para mais perto e estamos a duas horas de São Paulo. Até durante a semana passamos a receber visitantes", diz Fabrizia.

Também saíram vencedoras desse período as vinícolas como a Salton, que têm portifólio de produtos variado. Produtora de sucos, vodka e vinhos, a companhia teve crescimento apurado de 40% até aqui, mesmo com 40% dos rendimentos baseados em espumantes.

Novos hábitos

O clima quente, os altos preços, a dificuldade de importação e uma produção incipiente são fatores que sempre afastaram o Brasil de se tornar uma grande referência no mercado mundial.

A estimativa da Ideal Consulting é que o consumo em ano recorde tenha chegado próximo a 2,8 litros per capita neste ano. Autoridade mundial na estatística, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) traz números ainda menores. Em 2018, último dado disponível, o brasileiro bebeu apenas 2 litros de vinho em 12 meses.

A diferença com outros mercados é considerável. O líder do ranking foi Portugal, que teve consumo de 62 litros per capita naquele ano. Franceses beberam 50 litros em média. Italianos, 44 litros. Argentinos, 25 litros. Em outras palavras: a cada garrafa bebida por um brasileiro, mais de 30 são consumidas por um português.

Não bastasse a distância, o Brasil quer crescer em um momento em que o consumo da bebida no mundo todo vem caindo. Em 1995, quando começou a série histórica da OIV, a líder França tinha consumo de 77,8 litros per capita. A Itália, 73,2.

O especialista garante que a evolução dos produtores nos últimos 10 anos surpreende e faz frente com similares estrangeiros. Além do Rio Grande do Sul, destaca que há ótima produção se desenvolvendo na Serra Catarinense, em polos no Nordeste e na Serra da Mantiqueira.

Ainda assim, reconhece que europeus, argentinos e chilenos sempre terão um melhor "terroir". O termo técnico é usado para definir os fatores naturais que dão identidade à produção de vinhos, como a variação de temperatura, regime de chuvas e as características do terreno onde a uva é plantada. É o microcosmo que dá sabor ao vinho e característica única a cada garrafa.

"O brasileiro sabe fazer vinho, mas tem que correr atrás do prejuízo, enquanto outros países têm a natureza ajudando", afirma o sommelier. "Não dá para pegar um grande Bordeaux, um Borgonha, que tem 3 mil anos de história, contra os 30 anos que temos. É sacanagem tentar comparar."

Barreiras tributárias

Ainda que precise de maturidade, o obstáculo unânime para o mercado, de acordo com apreciadores e produtores, é o preço. Uma boa garrafa de vinho fino nacional não sai por menos de R$ 40 – e para cima, o céu é o limite.

Da quantia, cerca de metade é retida em impostos, o que faz com que produtores joguem a culpa do valor pago pelo consumidor no fator tributário.

A produção latina da vinícola Chandon serve de exemplo das distorções. A marca possui produção na região de Mendoza, na Argentina, e outro polo em Garibaldi (RS), no Brasil. O que é produzido na unidade argentina da marca abastece todo o mercado da América do Sul, exceto aqui. O Brasil exporta apenas para o Japão.

Em resumo: é mais interessante ter uma operação dupla no continente do que lidar com os encargos e redução da competitividade.

Procurada, a empresa reconhece que há barreiras tributárias no país, mas afirma que as vinícolas têm quase 50 anos de produção e são resultado de uma busca da matriz por terroirs próprios para a produção de espumantes. Nesse sentido, o que se encontra no Brasil e na Argentina é diferente.

E há uma nova ameaça à vista: o acordo entre União Europeia e Mercosul. Hoje, vinhos europeus são taxados pela importação em 27%, e espumantes em até 35%, segundo a Comissão Europeia. Os impostos devem ser zerados no comércio do setor, em prazo a ser definido, colocando pressão enorme na produção brasileira.

O setor reclama também da falta de linhas de crédito pensadas para atender a necessidade do produtor de vinhos, um problema antigo e que passa por uma série de outros setores da indústria.

Por Raphael Martins, G1

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